Na última terça-feira, em uma audiência na Câmara dos Deputados, o
juiz Luciano Losekann, do Departamento de Monitoramento e Fiscalização
do Sistema Carcerário do CNJ, apresentou os dados e tachou de
"escandaloso" o quadro do BEP.
— É uma situação escandalosa. Privilégios para os policiais e falta de direitos para o resto — criticou.
Responsável pela inspeção, o juiz Ulysses de Oliveira Gonçalves Junior resumiu ao EXTRA, ontem, o que viu.
—
Não encontrei celas. Encontrei no BEP vários apartamentos, com
decoração, mobiliário, uma situação absolutamente incompatível com o
rigor prisional — indignou-se o magistrado.
Devassa
O Mutirão Carcerário é um programa do Conselho
Nacional de Justiça, órgão do Judiciário voltado para a gestão e a
correição na Justiça brasileira. No mutirão do Rio, concluído de outubro
a dezembro de 2011, foram inspecionadas 55 unidades prisionais e
examinados processos de 30 mil detentos — condenados em definitivo e
provisórios.
Direitos X regalias
O documento traz
uma radiografia do sistema prisional do estado e sugestões de melhorias
para garantir os direitos dos detentos e combater privilégios como os
dos PMs no BEP, hoje chamado apenas de Unidade Prisional. A situação do
batalhão foi uma das mais graves.
Relatório?
A
Polícia Militar não soube dizer o que foi feito desde que o relatório do
mutirão foi entregue ao governo do estado — há quatro meses, em 26 de
julho.
‘Várias medidas’
Sem dar detalhes, a
corporação limitou-se a dizer que "várias medidas vêm sendo tomadas,
antes mesmo da inspeção do CNJ". "Todos os fatos irregulares são ou
foram motivo de averiguação, sindicância ou Inquérito Policial-Militar",
afirmou nota enviada ao EXTRA, sem informar o que de fato foi feito
após a vistoria do CNJ.
Como funciona
O BEP tem
hoje 325 presos, dos quais 41 são ex-PMs mantidos lá por liminares da
Justiça. A prisão da corporação hoje é fiscalizada pela Corregedoria
Interna, pela Vara de Execuções Penais e pelo Ministério Público
estadual.
Novo BEP
A PM informou que o novo
presídio para policiais, prometido pelo secretário José Mariano Beltrame
há mais de um ano, será construído no Complexo Penitenciário de
Gericinó. A obra só vai ser licitada em fevereiro de 2013. A corporação
não deu previsão da construção.
Regalias para oficiais
Na inspeção, o juiz
Ulysses de Oliveira Gonçalves Júnior constatou que os privilégios no BEP
variam de acordo com a patente. Oficiais superiores têm mais regalias.
— Oficiais são os mais beneficiados. Havia até oficiais de outros estados — contou.
O juiz também criticou a falta de segurança do BEP:
"A
unidade mostra-se vulnerável quanto à segurança, devido aos espaços
circunvizinhos a prisão, terrenos de antigas instalações militares, sem
vigilância", escreveu.
No relatório, o CNJ recomendou a alteração
urgente do regulamento interno, adequando-o à Lei de Execuções Penais e a
implantação de um cronograma de obras de reforço da vigilância interna e
externa, com a modificação estrutural interna. O texto foi entregue em
julho ao governo do estado — representado pelo secretário de
Administração Penitenciária, Cesar Augusto Monteiro de Carvalho — e ao
presidente do Tribunal de Justiça, Manoel Rebêlo dos Santos.
Memória
Em
julho de 2010, o ex-PM Carlos Ari Ribeiro, o Carlão — apontado como
principal matador da maior milícia do Rio — foi preso quando dirigia um
carro roubado. Levado para o BEP, Carlão não demorou para se sentir em
casa. Em setembro do mesmo ano, comemorou o aniversário do filho com uma
festa no batalhão. O evento teve direto a bolas coloridas, decoração
festiva e foi regado a energético e cerveja. Os filhos e a mulher do
miliciano estiveram presentes.
Em setembro do ano passado, Carlão
conseguiu fugir do BEP. Investigações apontam que ele obteve ajuda: um
capitão "esqueceu-se" de trancar as galerias onde estavam os presos e
deixou de fazer a conferência.
Após o EXTRA divulgar as imagens da
festa, também em setembro, o secretário de Segurança, José Mariano
Beltrame, determinou que o batalhão fosse transferido.
Em setembro
deste ano, Carlão foi morto com dois tiros na cabeça em Inhoaíba, na
Zona Oeste do Rio, numa operação da Polícia Civil. O miliciano foi
caçado por três meses. Era suspeito de ter cometido 16 assassinatos.